Democracia Em Vertigem
Evidentemente é justo que a diretora reivindique para si esse registro em primeira pessoa, e afinal suas reiteradas declarações de desconhecimento e pitaco político ("eu não acompanhava", "eu julguei que terminaria assim") encontram eco na descrença que a maior parte da população tem da coisa pública. Não é por acaso que uma das poucas personagens "invisíveis" de Brasília, uma faxineira entrevistada no final, diga que não acredita haver democracia no Brasil. É a fala do "povão" que autoriza, enfim, o filme a se contentar com a paralisia, trajeto que se construía a cada fala que Costa, arrebatada, declamava com a lentidão imitada das narrações em off dos filmes de João Moreira Salles - documentarista que também tenta, através do cinema, expurgar seu elitismo.
Democracia em Vertigem
Em território nacional a recepção é dividida, algo esperado, já que essa passou a ser forte realidade brasileira. O que também vemos no documentário. Por isso sua força é inegável, Petra conquista cada vez mais prestígio, e encontramos a força de seu filme no poder de levar adiante - em escala global - a realidade que ofusca nossa democracia e nos faz permanecer com temor.
O apresentador ainda avaliou que, às vezes, a oposição ao governo de Bolsonaro é tão "infantil" quando o próprio presidente. "Existe um discurso que, quando a direita ganha, a democracia está em risco. Isso não se verifica, é uma interpretação torta da realidade", comentou.
Ao longo da produção vemos a fragilidade de uma democracia relativamente recente e a polarização política entre a direita e a esquerda que proporciona um ambiente para a ascensão da extrema-direita no Brasil.
O filme Democracia em Vertigem, da roteirista, produtora e diretora Petra Costa, se insere nesse debate, construindo uma narrativa sobre a crise da democracia brasileira, a partir da experiência dos governos Lula e Dilma Rousseff, sob a sombra da cultura política autoritária. Com ampla repercussão na imprensa nacional e internacional, quando do seu lançamento, em 19 de junho de 2019, pela plataforma de streaming Netflix, o filme possibilita-nos debater os impasses atuais da democracia brasileira.
Os avanços da democracia no Brasil dos últimos trinta anos não conseguiram extirpar a corrupção sistêmica do sistema político, impactando, decisivamente, sobre a legitimidade do PT nos quadros do presidencialismo de coalizão. Do discurso inicial de renovação ética e política à adesão ao financiamento político ilegal, a fala de Gilberto Carvalho, ex-ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República no governo Dilma e chefe de Gabinete do governo Lula, expôs, com vigor, essa contradição:
E seguramente as medidas para salvar a democracia, mais de caráter cosmético, hoje em discussão no âmbito partidário e governamental produzirão pouco resultado. Empreender contra a divisão, o medo e a frustração deve significar se opor à estrutura econômica dominante e as relações de poder apoiadas nela[2].
Cheguei aqui pela Gabriela Terenzi. Impressionante sua leitura. Também tinha ficado com um incômodo com o filme, apesar de não ter consigo pensar claramente sobre os problemas. Mas é isso: a Petra se furta das questões difíceis de desigualdades estruturais e das distâncias brutais entre as percepções/vivências de democracia entre a funcionária terceirizada limpando a escada e a diretora intelectualizada e de esquerda. Excelente resenha crítica.
Discursos absurdos foram banalizados nesses últimos anos e é possível que nós tenhamos nos acostumado com algumas das cenas que vimos. Quando foi que nos tornamos tão apáticos? Quando foi que um país, que parecia ter se livrado do seu passado autoritário, resolveu que, do jeito como as coisas estavam, era melhor voltar a esse passado? A democracia, tão duramente conquistada, vê sua existência ameaçada por fantasmas do passado. 041b061a72